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domingo, 13 de fevereiro de 2022

A POESIA CHAPADINHENSE E SEUS REPRESENTANTES: ênfase e Mata Roma

 

  

Mata Roma

 José Mata Roma, mais conhecido como professor Mata Roma, era de origem humilde. Nasceu no século XIX na Vila de Chapadinha no dia 23 de janeiro de 1896. Nesse ano predominava o simbolismo, uma escola literária de poetas em que vários de seus integrantes morreram pobres, não tiveram obras publicadas e permaneceram ou permanecem esquecidos até hoje.

            Filho de Pedro Mata de Oliveira Roma e de Rita Teodolinda de Almeida. Ambos cearenses, escolheram o Maranhão para viverem e elegeram a então Vila de Chapadinha como sede da residência do casal, onde se estabeleceriam com um pequeno comércio e mais tarde explorariam também a agricultura. Ele tinha mais 10 (dez) irmãos, do primeiro casamento por parte de pai foram 4 (quatro): Isabel Mata de Aguiar, Joana Mata Roma (Noca), Pedro Mata Filho e Raimundo Mata Roma. Do segundo casamento com sua mãe Teodolinda, vieram o também intelectual, poeta e jurista, João da Mata de Oliveira Roma, Luiza Mata de Oliveira Roma (Lulu), Joaquim Mata Roma (Quincas), Francisco das Chagas Mata de Oliveira Roma e Maria de Almeida Mata Roma (Marieca) e mais uma irmã adotiva Francisca (Chiquinha Perna Curta).

            Ele começou os estudos na Vila de Chapadinha, mas logo seu pai o encaminhou, juntamente com eu irmão Oliveira Roma, para a cidade de Brejo, onde terminou o curso primário. Em Teresina, concluiu o primeiro e segundo grau, conhecidos hoje como Ensino Fundamental e Ensino Médio.

Casa onde Mata Roma morou, hoje BB.

Após superar diversas dificuldades em sua vida, e trabalhar como vaqueiro e mais tarde comerciante de sucesso em sua terra natal, no lugarejo conhecido como Bom Sucesso, hoje município de Mata Roma (cidade que tem seu nome como homenagem, fundada em 30 de setembro 1961) foi servir a Marinha em Belém do Pará, coincidindo com um episódio inusitado de seu desaparecimento nos anos da sua juventude. Embarcou em um navio velho onde se tornou taifeiro e encarregado de serviços de limpeza, sem deixar uma carta sequer explicando sua decisão, nenhuma pista deixou. Todas as buscas se esgotaram, sua família chegou a admitir sua morte.  Anos depois reapareceu em Chapadinha.

            Ao transferir-se para São Luís, deu continuidade aos seus estudos, dedicando-se integralmente, incentivado pelo seu irmão Oliveira Roma, com a intercessão de sua mãe dona Teodolinda. Prestando vestibular e ingressando na Faculdade de Direito, na Rua do Sol, formou-se em 8 de dezembro de 1925 Bacharel em Direito com 29 anos de idade pela faculdade de direito do Maranhão, onde foi professor.  Mais tarde, justificava a amigos seu desinteresse pela advocacia, por não saber dar preços aos honorários de seus serviços e constrangia-lhe cobrar qualquer valor das pessoas pobres e que tinham dificuldades até de se alimentarem.

Casou-se com Elza Ferreira Mata Roma, com quem teve 3 (três) filhos; Ritio falecido prematuramente; Marília, bibliotecária, assistente social, e professora da universidade de pós-graduação, residente no Rio de Janeiro e casada com o médico cardiologista Laércio Goulart Paiva; e Helena, funcionária pública, casada com o decorador Antenor Ventura e residente em Porto Alegre. O Casamento de Mata Roma com D. Elza perdurou cerca de dez anos, até que sua esposa, acometida de grave enfermidade, teve que ser levada para o sudeste do pais, para a cidade de Friburgo, onde o clima favorecia seu tratamento especializado. Não retornou mais para São Luís, e o motivo da separação do casal até hoje não se sabe, há quem especule que o casal se desentendeu numa das visitas que ele fez à esposa no Rio de Janeiro.                Elza faleceu no dia 5 de maio 1955 com 41 anos de idade, na cidade do Rio de Janeiro.

Pai Mata Roma

O começo de sua vida foi acidentado e de incessante luta para se firmar na vida. Talentoso, Mata Roma se notabilizou como exímio orador, porém, mostrou cedo sua veia literária. Era jornalista, poeta, político, catedrático de Português e apaixonado pela gramática. Apresentava-se sempre elegantemente, não dispensava um paletó. Tanto fazia estar em sala de aula como na câmara municipal de São Luís ou nas repartições que dirigiu.

Removeu os fados adversos e ingressou por concurso no Liceu Maranhense em 1930, com a tese A Questão Do Quê. Lecionou Literatura em diversos estabelecimentos de ensino da capital. Foi um dos fundadores da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Luís, diretor do Colégio Estadual e do Colégio Cisne Branco, do qual foi proprietário. Lecionou de graça nos Colégios Centro Caixeral, São Luís e Santa Tereza. Mata Roma sempre terminava suas aulas com esse dito gracioso: “entrou pelo bico do pato, saiu pelo bico do pinto, meu senhor, mandou dizer para eu contar mais cinco”.

Na primeira metade do século XX, ocorre no Maranhão o fenômeno raro do aparecimento de verdadeiros mestres da Língua Portuguesa Clássica. Esses mestres estavam embriagados pela sabedoria gramatical vinda do século XIX e passada às gerações futuras por um dos fundadores dos estudos do idioma pátrio, Sotero dos Reis, que foi o autor de uma gramática normativa da Língua Portuguesa, A referência encontra ressonância na vida profissional de mestres como: Nascimento Morais e Mata Roma, que deixaram seus nomes para sempre gravados na história do Liceu Maranhense, cujo trabalho de educador fez nascer no Maranhão a cultura helenística, que ele conseguiu passar aos seus alunos durante três décadas de magistério. Mata Roma Fundou, ainda, a Biblioteca do Liceu, que recebeu o nome de Sotero dos Reis, sua inauguração ocorreu no dia 15 de dezembro de 1935.

Além de ocupar posições de destaques como delegado regional do Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Comerciários - IAPC, diretor do SESC e do SENAC, Mata Roma combatia as desigualdades sociais, seu desapego ao dinheiro fazia parte de sua personalidade. Um exemplo de humanista, sempre despojado, não perdia a oportunidade de ajudar as pessoas que o procuravam. Tinha dificuldade de dizer não. Foi eleito vereador mais votado (como candidato, em um comício no bairro de Fátima, ele proferiu o seguinte discurso: “não faço promessas enganosas. Eu não prometo nada a vocês, vocês votam se quiserem, porque não tenho nada a oferecer”. Mata Roma foi eleito também presidente da 4ª e 5ª legislatura da Câmara Municipal de São Luís de 01/02/1955 a 31/01/1959. (Meses depois de sua posse como presidente da Câmara, aconteceu um episódio que retrata o caráter e o lado humano de Mata Roma: havia muitos anos que um velho engraxate ocupava o corredor do edifício da Câmara Municipal. Um dia, um dos vereadores chamou Mata Roma e disse para ele: “presidente! Tire esse engraxate daqui do corredor! Essa cadeira e essa caixa dele! Isso não pega bem! Fica feio!” Aí Mata Roma respondeu: “olha meu besta, vou te dizer o seguinte: eu não posso entrar na câmara com meus pés se não entrar com o meu coração. Deixe-o aí, enquanto eu for presidente ele não sai”. Como político, Mata Roma não fazia concessão à corrupção.

Mãe de Mata Roma

Mata Roma era de caráter íntegro e rijo, deixou as marcas de uma personalidade forte, comprometida com princípios éticos. Um professor amado e idolatrado pelos seus alunos. Foi um professor que aglutinou em si o erudito, o intelectual, o poliglota e o escritor. Vivia cercado de amigos, entre eles a poetisa e comadre Zizete Cunha. Apreciava o luau de sua terra natal Chapadinha.  Era boêmio e extrovertido, mostrava-se alegre, bonachão, mas nem por isso deixaria de parecer um homem sofrido, surrado pela vida.

Mata Roma era uma das mais legitimas glórias da nossa literatura, um dos mais expoentes vultos de nossas letras. Em dezembro de 1945, tomou posse como titular da cadeira 17 da Academia Maranhense de Letras, cujo patrono foi Sotero dos Reis. Como poeta, ele se situa entre aqueles que, como Humberto de Campos que, em plena fase do modernismo, continuou a escrever sonetos parnasianos e simbolistas. Entre tantos trabalhos literários, escreveu Cartas Chilenas (inédito e até hoje não se sabe quem ficou com os originais); Visão Crítica; “Brasil”; Poemas in “Atenas”, (janeiro de 1940); Histórias Compiladas (1948); Velhos Ritmos, publicado postumamente em 20 de setembro de 1996 pela Academia Maranhense de Letras, dezenas de artigos e produções em prosa e versos publicados nos jornais da época, mostrando sua versatilidade.

Em 1945, foi um ano de profundas transformações a segunda guerra mundial havia terminado, o interventor Paulo Ramos foi substituído pelo Dr. Clodomir Cardoso. A mudança atingiu o Liceu Maranhense. Mata Roma foi nomeado Diretor. Com a designação o corpo docente rejubilou-se às escâncaras, começava a fase de ouro, inesquecível do Liceu Maranhense.

Sua obra prima, o soneto Tântalo, celebrizou-o pelo caráter inusitado da inovação poética para a época. Daí porque até hoje o poema é citado e recitado como uma das referências dos melhores textos escritos no Maranhão de então.

Em 1948, aos 50 anos de idade, o poeta foi tomado por uma avassaladora e devastadora paixão por uma aluna adolescente que lhe inspirava antológicos sonetos.

Não tendo materializado o amor, segundo consta, ele reinventa o mito, transpondo-o da necessidade biológica para o plano da necessidade psicológica.

O Soneto Tântalo reflete a frustração só realizada no plano platônico. A tragédia de Tântalo revisada por Mata Roma traz de volta os mitos de Safo, Abelardo e Heloisa, Édipo e Jocasta, Romeu e Julieta, Dom Pedro e Inês de Castro.

É que havia um rei na Líbia, antiga Mesopotâmia – chamado Tântalo, casado com Ceres, deusa da Agricultura. E desta união nasceram 14 filhos. Um dia, Tântalo ofereceu um jantar para os deuses Apolo e Diana, mas Tântalo não tinha nada a oferecer nesse jantar. Contra a vontade de Ceres, Tântalo matou uma de suas filhas Penélope, e ofereceu um banquete a Apolo e Diana. Na hora que foi servir o jantar, imediatamente Apolo e Diana perceberam que aquela carne era humana. Diante dessa estupidez cometida por Tântalo, os deuses o condenaram a um atroz suplício: toda vez que ele tentasse comer alguma coisa, uma fruta, por exemplo, esta se afastava dele; se tentasse beber água, esta também se afastaria. Como castigo, os deuses Apolo e Diana vaticinaram que seus 13 filhos restantes, quando completassem 14 anos, seriam flechados e se transformariam em pedras. E isso na mitologia, aconteceu.

Voltando à realidade, Mata Roma amava com a mesma intensidade sua esposa Elza e essa jovem, sua aluna. Mas, toda vez que se aproximava dela, lembrava que era casado, muito bem casado, e respeitava sua mulher. E assim, nada houve entre eles.

Diante desse amor impossível (pelo menos à época), dessa paixão, inebriado e sofrendo com a ironia do destino, Mata Roma foi buscar na mitologia Greco-romana refúgio para as dores do seu coração. E aí, compôs Tântalo, um dos mais belos sonetos da Literatura Maranhense

TÂNTALO

Conta uma lenda antiga, cuja fama

Pelos tempos modernos inda voo,

Que lá no inferno, condenado à toa,

De fome e sede Tântalo rebrama.

 

Junto, corre uma fonte clara e boa.

Perto, um galho de fruta se recama.

Mas, se ele quer comer, se afasta a rama,

E, se tenta beber, a água se escoa.

 

Tem minha vida e a leda o mesmo traço,

Flagela-me também um vão desejo,

Fome e sede incontida também passo.

 

Punido como Tântalo me vejo:

Tão perto desse corpo, e não te abraço!

Tão junto dessa boca, e não te beijo!

Em 1947, aconteceu uma violenta crise interna no Liceu, motivada pela inesperada nomeação do professor Araújo para Diretor do Liceu Maranhense, nenhum aluno estava indo às aulas e todos exigiam a volta do professor Mata Roma. O prefeito de São Luís, Costa Rodrigues, mandou o secretário Merval convocar a Congregação dos Estudantes, a fim de que esta indicasse uma lista tríplice. A Congregação decidiu deixar a critério do Governador a escolha do diretor. E para alegria dos professores e alunos, o mestre Mata Roma foi reconduzido à direção do Liceu. Portanto. Paz, estudo, poesia nas salas e corredores do Colégio.

Mata Roma gostava de tratar os alunos e amigos com o tratamento especial de “meu besta”. Assim o fez quando recepcionou José Sarney em junho de 1952 ao entrar na Academia Maranhense de Letras. Ele disse: “entra meu besta, a casa é sua! ”.

Por ocasião de sua última visita à cidade de Chapadinha, em julho de 1959 (já bastante debilitado), Mata Roma disse à poetisa Zizete Cunha: “minha comadre, esta será a minha última viagem à Chapadinha, estou chegando no começo do fim”. Mata Roma também não tinha apego ao acumulo de bens, até a sua morte, sempre residiu no Hotel Maranhense, na rua grande. Na mesma ocasião de sua vinda à Chapadinha doou seus únicos bens. Algumas cabeças de gado para o seu vaqueiro Antônio Francês e um pequeno interior denominado de “Quebra Cabeça” para uma de suas sobrinhas Maria Roma.

Apesar de não ser muito afeito à religião, nos seus últimos dias de vida pediu para se confessar, no que foi atendido pelo seu amigo padre Artur Gonçalves, que era capelão da polícia militar.

Sem nenhum lamento, e tal qual Sócrates, Mata Roma morreu conversando com o amigo Benjamim. As últimas palavras pronunciada por ele foi um pedido que fez ao amigo: “Benjamim, quando eu morrer eu quero que tu faças um discurso para fazer chorar até as casuarinas”.

Mara Roma foi vítima de câncer nos pulmões, provavelmente pelo consumo excessivo de cigarro. E faleceu na Santa Casa de Misericórdia, em São Luís, no dia 20 setembro de 1959, aos 63 anos de idade. No seu enterro, à beira do túmulo, em meio a muitos soluços, emoções e lágrimas, muitos discursos foram proferidos. Está sepultado no Cemitério do Gavião, na gaveta nº 332 da 3ª sessão onde, quando ainda em vida, pediu para ser sepultado.

Em artigo publicado em jornais à época disse o jornalista Zuzu Nahuz: “... Até o dia do seu sepultamento coincidiu com o dia da “arvore” simbolizando a queda brutal de um dos mais velhos e frondosos jequitibás do magistério público de nossa terra”

.Herbert Lago Castelo Branco

Extraído do livro MATA ROMA: O Tântalo de Chapadinha

            Se tiver interesse em saber mais sobre Mata Roma, indico os livros "DO GIBÃO AO FARDÃO

Ex               de Raimundo Marques e MATA ROMA: O Tântalo de Chapadinha, de Herbert Lago

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ico   

 

 

 

 

 

 

 

 

Um comentário:

01 disse...

Boa historia.
Também sempre quis saber o significado dos nomes do bairro e das ruas. Seria interessante você fazer um quadro falando sobre esse tema.