Bastaria revelar a origem ou o sentida da palavra candidato e estaria tudo dito. Então digo: candidato significa “aquele que vai mudar de condição”. Até aí, nada demais. A gente sabe que a pessoa depois que entra para a política muda muito de condição, a tal ponto que alguns se convertem em políticos “incondicionais”, e vão tocando as coisas sempre dependendo da “condição”.
Mas não expliquei tudo o que está potencialmente contido na frase inicial da crônica. É preciso adiantar também que, para se entender os candidatos atuais, é preciso voltar ao passado, não apenas deles, mas a raiz da palavra candidus, que significa branco. Em muitos rituais de iniciação, candidus é a cor do candidato e a maneiro como ele se veste e revela a pureza de sua alma, a brancura de seus ideais.
Agora vocês estão me entendendo melhor. E, a rigor, já compreenderam o que eu tinha a dizer nesta crônica. Posso parar por aqui economizando o seu precioso tempo e o valioso espaço deste Blog. Mas existe ainda uma informação que não posso me furtar a dar: em algumas culturas, como informam Chevalier e Cheerbrant, os candidatos as funções públicas vestiam-se de branco. Que maravilha! Imaginem esse bando de candidatos, de todas as cores ideológicas, sob todas essas bandeiras partidárias, vestidos como almas freiras acenando para o nosso voto.
Ou será que nós, os eleitores, é que somos os candidatos espectadores, sempre iludidos, desenganados? Olhando eventualmente a campanha eleitoral na tevê penso que os candidatos estão numa batalha de sabão em pó. Parecem aqueles anúncios em que um sabão está sempre tentando nos convencer que limpa mais branco e candidamente que o outro.
Flaubert tem uma peça de teatro que foi um fracasso retumbante em sua carreira. O candidato (1874). Conta a história de um tal de Rouselin, que afastando-se dos negócios aos 56 anos, ao invés de se entregar à paz do ócio, resolveu candidatar-se a deputado. Resultado: torna-se uma pessoa mesquinha, ambiciosa, perde dinheiro e estraga a vida de sua família. Dizem que a peça nunca fez sucesso porque retrata com muito realismo a vida pouco cândida do candidato.
Já Voltaire tem aquele famoso romance Cândido (1759), no qual o tema é esse embate entre o idealismo idiota e a crueza da realidade. Aí, herói Cândido é educado por um certo Pangloss a achar que o ser humano é bom por natureza. Não deu outra: quebra a cara, cai na real e sai pelo mundo numa série de peripécias ao mesmo tempo dramáticas e irônicas.
O que aconteceria se um candidato (como ocorre em alguns programas humorísticos) resolvesse falar certas verdades? Explicitar, por exemplo, objetivamente, certas medidas vai tomar para resolver problemas crônicos? O público aceitaria? As pessoas iriam votar nesse candidato? Quantos votos perderia se dissesse o que é preciso dizer? Essa é uma questão paradoxal. Dizem que aquele político que havia lá em São Paulo, há uns 50 anos. Ademar de Barros, um predecessor de Maluf, ganhava as eleições porque seu lema era “roubo, mas faço”.
A temporada eleitoral, essa estação de discursos veementes, esse fervilhar de imagens aliciantes é um momento apoteótico em que se expõe a questão tanto prosaica quanto filosófica das palavras e das coisas. Entre o discurso e a realidade, em geral, preferimos o discurso. É disso que vive a publicidade, essa arte moderna da persuasão. A palavra é mais sedutora, ela acalenta mais e até nos gratifica imaginariamente.
Quer dizer, o problema não é o discurso, o problema é a realidade que tem mania de contrariar as palavras.
Affonso Romano de Sant’anna
Poeta e Escritor
Mas não expliquei tudo o que está potencialmente contido na frase inicial da crônica. É preciso adiantar também que, para se entender os candidatos atuais, é preciso voltar ao passado, não apenas deles, mas a raiz da palavra candidus, que significa branco. Em muitos rituais de iniciação, candidus é a cor do candidato e a maneiro como ele se veste e revela a pureza de sua alma, a brancura de seus ideais.
Agora vocês estão me entendendo melhor. E, a rigor, já compreenderam o que eu tinha a dizer nesta crônica. Posso parar por aqui economizando o seu precioso tempo e o valioso espaço deste Blog. Mas existe ainda uma informação que não posso me furtar a dar: em algumas culturas, como informam Chevalier e Cheerbrant, os candidatos as funções públicas vestiam-se de branco. Que maravilha! Imaginem esse bando de candidatos, de todas as cores ideológicas, sob todas essas bandeiras partidárias, vestidos como almas freiras acenando para o nosso voto.
Ou será que nós, os eleitores, é que somos os candidatos espectadores, sempre iludidos, desenganados? Olhando eventualmente a campanha eleitoral na tevê penso que os candidatos estão numa batalha de sabão em pó. Parecem aqueles anúncios em que um sabão está sempre tentando nos convencer que limpa mais branco e candidamente que o outro.
Flaubert tem uma peça de teatro que foi um fracasso retumbante em sua carreira. O candidato (1874). Conta a história de um tal de Rouselin, que afastando-se dos negócios aos 56 anos, ao invés de se entregar à paz do ócio, resolveu candidatar-se a deputado. Resultado: torna-se uma pessoa mesquinha, ambiciosa, perde dinheiro e estraga a vida de sua família. Dizem que a peça nunca fez sucesso porque retrata com muito realismo a vida pouco cândida do candidato.
Já Voltaire tem aquele famoso romance Cândido (1759), no qual o tema é esse embate entre o idealismo idiota e a crueza da realidade. Aí, herói Cândido é educado por um certo Pangloss a achar que o ser humano é bom por natureza. Não deu outra: quebra a cara, cai na real e sai pelo mundo numa série de peripécias ao mesmo tempo dramáticas e irônicas.
O que aconteceria se um candidato (como ocorre em alguns programas humorísticos) resolvesse falar certas verdades? Explicitar, por exemplo, objetivamente, certas medidas vai tomar para resolver problemas crônicos? O público aceitaria? As pessoas iriam votar nesse candidato? Quantos votos perderia se dissesse o que é preciso dizer? Essa é uma questão paradoxal. Dizem que aquele político que havia lá em São Paulo, há uns 50 anos. Ademar de Barros, um predecessor de Maluf, ganhava as eleições porque seu lema era “roubo, mas faço”.
A temporada eleitoral, essa estação de discursos veementes, esse fervilhar de imagens aliciantes é um momento apoteótico em que se expõe a questão tanto prosaica quanto filosófica das palavras e das coisas. Entre o discurso e a realidade, em geral, preferimos o discurso. É disso que vive a publicidade, essa arte moderna da persuasão. A palavra é mais sedutora, ela acalenta mais e até nos gratifica imaginariamente.
Quer dizer, o problema não é o discurso, o problema é a realidade que tem mania de contrariar as palavras.
Affonso Romano de Sant’anna
Poeta e Escritor
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